boletim de ocorrência.

Relata o noticiante, em hora, local e data acima referidos que

"era cedo, bem cedo, principalmente pra gente como nós, desacostumados a acordar junto do sol e do barulho dos passos no mato. No caminho em busca de uma torneirapra molhar a cara, encontrei Jorge sentado sobre ummonte de lenha. Estava inquieto, olhando sem atenção pra algum ponto, fosse pra cadeia de montanhas que nos cercava, prum mural cujas cores disfarcam a madeira desgastada das casas, ou olhando pro transito de galinhas e porcos e crianças soltas na comunidade. Nao sei bem. Olhava pra várias e pra direcao nenhuma. Me olhava sem aquele sorriso de sempre. E até entao esse sentimento de intranquilidade, essa turbulencia, me parecia inexistente entre os compas indígenas de Chiapas.
Daí que ele me explicou o que quase nao precisou ser explicado: que brigou com a namorada e agora ela está trabalhando em Ocosingo, cidade longe no final da estrada de chão, longe e com poucos carros rumando até ela. Cidade cidade, onde o desencontro é a regra, onde há isso que se chama endereço e ele tampouco sabe onde a namorada fica. O pior é que estávamos sem internet ou telefone disponível. E eu desconfio que os funcionários do correio não se aventuram por esses lados. Desconfio também que Jorge nunca leu Goethe, Shakespeare, ou mesmo acompanhou com o lenco nas mãos um desses dramalhões mexicanos. Mas de algum jeito ele carrega essa coisa que dilata e deixa o peito do tamanho de um caminho inútil, no qual se corre pra descobrir uma saída e nao se chega nela.
- "E de onde é que vem isso?", ele me pergunta, assim, de súbito."

P.Ca
Situação do objeto: perdido/extraviado
Meio empregado: descuido/distração da vítima.
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