um drama

Pensava que seu estômago tinha sido pego e cortado em cubinhos. Posto depois de volta no lugar.
Não se iluda de que não é possível estar assim. Pois estamos.
Andamos, meu estômago e eu, de ombros pesados e pernas moles.
Estômago em cubinhos não fica faminto.
As relações sociais pedem discrição (se não quer se permitir invadir e partilhar), fazem a mão levar o garfo à boca, os dentes mastigam e a língua empurra aquilo pralgum lugar onde pesa, muito.
Diziam que a menina quando nervosa e chorosa vomitava. Soube que não chora mais. Vomita. Como dizia Drummond "vomitar esse tédio todo sobre a cidade. Quarenta anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado".
Não ligue pra essa coisa toda, Drummond. Já nem a conheço mais.
Não reconhece as coisas, não tateia, não identifica. Senta à janela e olha autista pro mundo. Não vê nada. Não toca. Sente uma borboleta violenta em seus estômagos- é, já que está picado.
Os gregos consideravam qualquer coisa muito próxima entre mente e vísceras. É isso, certas coisas que não cabem na mente se fazem sentir nas vísceras.
Quis pernas, peito, cuidados, cheiro.
Como quem não pode sentir fome, sinto que não há apetite pra nada. "Uma indisposição gástrica". E se pensa em comida as borboletas voam chorosas - sei que chorosas. Talvez por medo do que a língua traz. Talvez por medo de não conseguir comer.
Já não se reconhecia assim tão frágil.
... também, sei os meus caminhos. Aprender, correr riscos, construir, desestabilizar-se.
Como dois e dois são quatro sei que conheço os caminhos. A água viva, o coração selvagem.
Como dois e dois são quatro sei que vomitaria as borboletas do meu estômago - elas voam chorosas.
Sei que daria o braço, uma lágrima, um olhar naquela janela pra te ver. Como visita em convalescença. Não te contaria dele ou do que passa- mantemos um pacto.
Só algum coisa assim, que me distraia um pouco de mim.
--


- sei que dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
mesmo que o pão seja caro
e a liberdade pequena.
gullar.
--


"a luz apaga porque já raiou o dia".

Comentários

Anônimo disse…
"Como dizia Drummond "vomitar esse tédio todo sobre a cidade. Quarenta anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado"."

Gostei da frase deste anorexo social.

Saudações,
Ricardo Medina.

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